Por Vito Santos (vvitofs@usp.br)
Custando cerca de 50 milhões de dólares, Guerra Civil (Civil War, 2024), o longa mais caro da produtora A24, estrela Wagner Moura e Kirsten Dunst como jornalistas na missão de documentar a guerra de secessão em curso nos territórios da República dos Estados Unidos da América. Alex Garland, de Ex_Machina: Instinto Artificial (Ex Machina, 2015) e Aniquilação (Annihilation, 2018), é quem dirige e assina o roteiro deste road-movie distópico de ação frenética e pegada política, que mostra que a revolução, se não televisionada, será, ao menos, fotografada.
Da segurança de seu gabinete, o presidente (Nick Offerman) faz um discurso anunciando o sucesso do exército nas novas empreitadas rumo à retomada dos estados separatistas. A fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst, assiste na televisão de um hotel a fala do político. Mira o rosto dele com sua câmera e dispara o clique. Em seguida, entra em cena um povo em revolta, batalhões de choque e trabalhadores da imprensa ávidos por um pedaço de informação recém saída do conflito. Esses são os elementos que compõem a cena de abertura que funciona como prefácio à história que será desenrolada.
Lee se junta a Joel (Wagner Moura), um repórter de guerra, na cobertura do turbilhão de eventos. A fotojornalista, na tentativa de registrar o embate entre policiais e cidadãos, encontra e ajuda Jessie (Cailee Spaeny), uma jovem fotógrafa que, por iniciativa própria, documenta a guerra. No momento seguinte, em um lobby de hotel, é apresentado Sammy, personagem de Stephen McKinley Henderson, velho jornalista do New York Times e amigo de Lee e Joel. O veterano, após saber do plano dos dois de ir até a capital entrevistar o presidente, primeiro se opõe, mas, depois de uma carona lhe ser oferecida, aceita. Jessie, mesmo com a desaprovação de Lee, segue o trio e parte junto a eles rumo à capital.
Já no princípio, a edição de som – coordenada por Geof Barrows e Ben Salisbury – e a montagem, de Jake Roberts, impressionam. A sincronização entre tiros e cliques da câmera e o uso do silêncio em cenas que são antecedidas pelo barulho violento de disparos, fazem o público sair de uma perspectiva geral e direcionar a sua atenção para o singular de cada personagem.
O inverso também ocorre em cenas em que a tranquilidade efêmera do enredo é interrompida pelo estampido de um fuzil e, de pronto, o frenesi da batalha reaparece com toda sua ostentação bélica, transportando quem acompanha para uma visão panorâmica dos acontecimentos. Os pontos chave aqui são a ambientação e a presença estratégica da trilha sonora, pois ambas contribuem, tanto para dar uma atmosfera permanente de tensão, quanto para, de uma forma interessante, embelezar o trágico por meio da música.
Entretanto, nada se compromete mais a extrair o belo do trágico do que a fotografia, que com a ajuda da direção de arte e dos efeitos visuais se destaca no longa. Projéteis incandescentes e faíscas de incêndio brilham sobre paisagens escuras, pintando um quadro no horizonte decadente e colorindo os terrores da guerra com paletas flamejantes. A iluminação é um dos recursos muito bem explorados, principalmente quando a câmera acompanha a passagem dos jornalistas por cenários com diferentes incidências de luz, adicionando uma pitada de mistério à trama.
O uso de planos abertos, para captar o vazio dos ambientes, sendo alternados por close-ups nos personagens, denota a intenção do cinematógrafo Rob Hardy de transmitir que a desolação não está só no território, mas também naqueles que vagam por ele. Não obstante, os graffitis nas paredes e as pichações, em protesto contra o exército americano, mostram, de forma subliminar, que aqueles vazios provocados pela guerra um dia foram preenchidos por pessoas.
O jogo de cenas da câmera DJI Ronin 4D com a alternância de profundidade de campo e de distância focal, que tem por fim simular o olhar das personagens dentro e fora dos combates, cria uma maior imersão nesta ficção distópica. As limitações da lente funcionam como metáfora ao trabalho jornalístico, atrelado sempre a pontos de vista para compreender a realidade, nunca podendo a apanhar em sua abrangência total.
Kirsten Dunst entrega uma performance visceral como uma profissional endurecida pelo dia a dia violento, enquanto o personagem de Wagner Moura contribui com os convincentes momentos de humor no enredo, em que o público se distrai do pânico do front. Cailee Spaeny, estrela principal de Priscilla, traz para a história uma aura jovial e amarra, juntamente com o experiente Stephen McKinley Henderson, o roteiro que segue conciso até o fim.
Elementos que abalam a construção narrativa do drama bélico se encontram centrados na origem e no porquê dos conflitos, cujo o roteiro não se dedica em explorar com muito afinco. Como o contexto político é pouco aprofundado, o teor crítico da obra em relação à realidade é raso e aparece só em alguns momentos específicos durante a viagem do quarteto e em diálogos espaçados. O formato se assemelha mais a um thriller do que a uma distopia política de fato. Logo, se em 109 minutos a intenção do diretor e roteirista era de alguma forma fazer críticas contundentes ao momento atual, como em Ex_Machina: Instinto Artificial, ficou o dito pelo não dito e o apelo visual acaba por roubar mais a cena.
Com uma fotografia inteligente, montagens bem executadas, direção de arte hipnotizante e uma edição de som de tirar o fôlego, aliadas às performances impecáveis do elenco, Guerra Civil mostra que os custos do filme pagam a experiência. O longa, distribuído nacionalmente pela Diamond Films, chega aos cinemas brasileiros no dia 18 de abril. Vale muito a pena conferir essa experiência na tela de cinema mais próxima.
O filme estreia dia 18 de abril. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução / YouTube / A24