Por Daniel Medina
Venezuelanos vivem baseball quase da mesma forma que brasileiros vivem futebol: a torcida é intensa. Lembro das noites de domingo suadas de um Caracas x La Guaira, e como meu pai fazia questão de ficar no estádio até o fim do último inning. Ele era de La Guaira, minha mãe de Caracas. Era engraçado. Com o passar dos anos, ele a convenceu de torcer para o seu time e ela cedeu sem muito hesitar: não era das fanáticas fiéis, era mais uma aficionada pelo momento. Sua paixão não era tanto pelo time mas talvez pelo jogo no geral. Meu pai já não era tão assim: se manteve fiel desde aquela última vitória em 86, em que os jogadores conhecidos como “La guerrilla” pela sua grande imponência em campo e presença de nomes marcantes como Ángel Bravo, Luis Salazar e Oswaldo Guillén, venceu os Leões de Caracas, dando aos Tiburones de La Guaira seu último título.
Nunca me senti um ávido dos esportes. Não por desinteresse iminente ou repúdio, só não conseguia me encaixar. Também não tive muitos devaneios filosóficos sobre o porquê disso, às vezes só não me enquadrava e a coordenação motora falhava frequentemente, algo que já evidenciava o atrapalhado que viria a ser até hoje. A culpa não é toda do esporte, por sinal. Minha inibição me privava de algumas coisas, uma delas era torcer com fervor. Com o tempo, meu jeito atrapalhadinho e eu decidimos que o esporte não era o nosso lugar. Mas ficou tudo bem, diria eu. Não sentia que perdia muita coisa e meus pais nunca se importaram que eu não fosse tão fã do time deles.
De qualquer forma, as noites de estádio eram legais. Não me desanimava ir e a minha atenção se focava no jogo sem tanta dificuldade. O baseball é um dos poucos esportes dos quais entendia um pouco mais, acho que pela questão da tradição mesmo. Até tive momentos de pseudocrítico de plateia, julgando os pitches ruins ou o desperdício de homens nas bases. Apesar de não me sentir particularmente confortável 100% do tempo, e quase sempre ir para outros cômodos da casa quando passava baseball na TV, o estádio causava algo diferente. Não sei se era o cheiro característico de tequeños (dedinhos de queijo gorduorsamente venezuelanos) que sempre tinha ou a emoção de ir com todos meus irmãos mais velhos, mas não me sentia tão para baixo e aproveitei a época.
Com o tempo, naturalmente fui me afastando desses momentos e, quando deixei Caracas por São Paulo, parei de vez de me inteirar das coisas. Se me perguntarem algo sobre futebol brasileiro, a resposta seria mais cômica do que desinformada, com referências vagas de um Brasileirão de 2004. Eventualmente, outras prioridades ocuparam minha cabeça de imigrante e o esporte ficou bem guardado.
A escolha do jornalismo é uma sem muita explicação: me sentia com necessidade de ter um lado mais criativo, mas minha fiel inibição companheira me impedia de fazer algo mais ousado; me situei com a comunicação social. Logo entendi que a versatilidade jornalística era necessária, mas só nos últimos dias percebi o desafiador que pode ser realmente conquistá-la.
Se assisti-lo parece algo distante, cobrir um evento de tênis pode obter tom de delírio idealista. Mas, um pouco da última pode ser um impulso cego para novas tentativas. Chegar no ginásio foi tranquilo e pensei que faria mais ou menos aquilo que o ano de protojornalista me ensinou: chegar, tirar umas fotos, ver impressões pessoais, fechou.
Com menos de dez minutos, a tarefa que parecia simples se transformou em uma parada em food truck gourmetizado para escapar da quadra principal (mas motivada pela fome, também). Dezoito reais em um crepe de pizza com borda de parmesão não estava entre as prioridades da cobertura, mas o moço da pipoca estava sem trocado.
Sensação de pertencimento é algo complicado: se sentir confortável em locais é uma responsabilidade dupla, transferida tanto ao ambiente quanto à pessoa que nele está. Ser um estudante cobrindo um evento de imprensa profissional pode parecer intimidador, mas isso se potencializa quando esse é quase inexistente na sua realidade diária. Mesmo assim, sentei. Suei um pouco e, quanto mais olhava para a tela do placar, mais entendia que a minha ignorância esportiva não era tão desprezível. Pensei em conversar com a editora, confessar minha estupidez cega, falar que deixávamos para outra vez. De qualquer forma, o compromisso continuava e ainda havia certa motivação.
O tênis sempre me pareceu um esporte fascinante. A agilidade e força necessárias para o jogo ficaram muito mais evidentes quando pisei na quadra de novo e prestei atenção na forma como os jogadores se moviam no saibro. Por sinal percebi ser bem diferente do que esperava, mas tomou sentido ao ver a rapidez com que a bola e os jogadores andam pela quadra. Apesar de me encontrar em um estado de desespero, a forma como Thiago Wild, com apenas 17 anos, se sustentou em quadra contra o experiente Berlocq, de 35, foi bastante cativante. A diferença de idade entre ambos era evidente, mas o menino conseguiu se manter bem diante do veterano por boa parte do jogo. Um boa partida e, para o mais amador de todos, uma bela aula.
Com o passar do tempo e árdua troca de mensagens com amigas amantes de esporte, e um pouco de atenção dirigida exclusivamente ao jogo e não aos jornalistas esportivos ao meu lado, o Ginásio do Ibirapuera foi se tornando mais acolhedor. O cheiro de pipoca daqui quase se assemelhava ao de tequeños de Caracas. Não era por estar entendendo que Thomaz Bellucci e André Sá estavam vencendo o set contra um tenista da Croácia e outro de Mônaco, e que Sá iria se aposentar, mas porque o envolvimento era inevitável e a emoção começou a pertencer, fazer sentido. Por isso o estádio na Venezuela não era motivo de desconforto, por isso minha mãe trocou de time com facilidade e por isso não era tanto devaneio cobrir um evento de um esporte desconhecido: a emoção era a mesma da infância e a apreensividade não era mais de desconhecimento e nervosismo, mas de euforia. Talvez eu e meu jeito atrapalhado tenhamos entendido que nosso lugar era onde o sentir fosse bom.