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Sebastião Salgado: o mundo em preto e branco

Renomado fotojornalista brasileiro falece aos 81 anos em decorrência de leucemia

Por: Marcelo Donegá (marcelo.henrique.souza@usp.br), Maria Luísa Lima (malulima21@usp.br) e Mariana Pontes (mariana.kpontes@usp.br)

No dia 23 de maio, a morte de Sebastião Salgado, aos 81 anos, causou comoção nacional. A perda de um dos maiores fotojornalistas brasileiros relembrou seu impacto na fotografia e em questões sociais e ambientais, principais focos do seu trabalho.

Formado em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), foi na arte fotográfica que Sebastião Salgado realmente se encontrou.  Por meio de seu trabalho, ele viajou por mais de 120 países e teve suas obras expostas pelo mundo inteiro, com temáticas que variam de retratos da natureza a problemas humanitários.

Durante sua vida, o fotógrafo publicou inúmeros livros, destacando-se Serra Pelada (1999), Êxodos (2000) e Gênesis (2013). Sua trajetória também foi objeto central de filmes, como O Sal da Terra (2014) – documentário que narra a história do fotógrafo, dirigido pelo próprio filho, Juliano Salgado, em conjunto com o cineasta Wim Wenders.

O Sal da Terra tem duração de 1 hora e 50 minutos e foi indicado ao Oscar de melhor documentário em 2015 [Imagem: Divulgação/Youtube Imovision]

A causa da morte de Salgado foi uma leucemia grave. A doença surgiu em decorrência de uma malária contraída em visita à Indonésia, em 2010, quando trabalhava no livro Gênesis. O fotógrafo faleceu em Paris, na França.

Quem foi Sebastião Salgado?

Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu no dia 8 de fevereiro de 1944, em Aimoré, Minas Gerais. Passou a infância na Fazenda Bulcão e, após a graduação, fez um mestrado na USP em 1968, quando também se casou com a ambientalista e arquiteta Lélia Deluiz Wanick. Um ano depois, o casal se mudou para Paris em razão  da perseguição do regime militar.

A carreira de Salgado teve início quando ainda era secretário da Organização Internacional do Café (OIC), cargo que ocupou entre 1971 e 1973. Durante as viagens de trabalho, tirava fotos na câmera Leica de sua esposa, hobby que evoluiu para uma profissão Em 1981, Sebastião ficou famoso ao ser o único profissional a registrar o atentado contra o então presidente norte-americano Ronald Reagan.

Outras Américas (Companhia das Letras, 1986) foi seu primeiro livro publicado. A obra compartilha registros das condições de vida dos camponeses e indígenas da América Latina. No mesmo ano, lançou ainda Sahel: O Homem em Agonia (Prisma Presse, 1986), do período em que trabalhou com o grupo “Médicos Sem Fronteiras” em meio à devastação causada pela seca na África.

Entre os reconhecimentos do fotógrafo, estão o Prêmio Leica Oskar Barnack em 1985 e 1992, o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão em 2019 e sua eleição para ocupar um lugar no quadro quadro Cadeiras de Fotógrafos da Academia de Belas Artes da França em 2017.

Exposição “Amazônia”, em Madrid, no ano de 2023 [Imagem: Reprodução/WikimediaCommons]

Estilo fotográfico

Salgado era conhecido mundialmente pela impressionante singularidade em sua forma de fotografar. Para Atílio Avancini, professor e fotojornalista da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, “a fotografia brasileira não cabe em um livro ou em um autor. Mas como um autor ou um pensador brasileiro que cria e produz, isso sim repercute. Essa rede construída no exterior com nomes da intelectualidade brasileira é muito importante.”

Sebastião disse em uma entrevista cedida à Folha de São Paulo que “a única verdade é que a fotografia é minha vida. Todas as minhas fotos correspondem a momentos intensamente vividos por mim. Todas existem porque a vida, a minha vida, me levou até elas”. Pelo grande envolvimento pessoal, a visão do fotógrafo ganhou um teor autêntico e único ao retratar cenas sensíveis.

Entre as várias características que definem a autenticidade do fotógrafo, é possível destacar a escolha pelo filme preto e branco, em contraponto à grande maioria de fotógrafos, que preferem o colorido. Ele revelou ao longo de sua trajetória que essa escolha foi porque a cor o “distraía”, ao afirmar que “conseguia transmitir algo nas gamas de cinza, e não mais de maneira escandalosa e acintosa como eram com as cores”.

Atílio afirma que a distração pela cor pode ser notada na visão de todos, já que “as células fotossensíveis da retina – os bastonetes e cones – são aproximadamente 132 milhões. Os cones são apenas 7 milhões, respondendo às ondas coloridas. Já os bastonetes respondem por 125 milhões em cada olho e sua sensibilidade à luz é cem vezes maior do que a dos cones, ou seja, veem quando há pouca luz e enxergam os tons de cinza.”

“Sou obrigado a entrar nesse mundo fantasma para poder restituir a realidade do que estou vendo. O preto e branco é uma ficção, e sou obrigado a entrar na ficção para me concentrar.”
Sebastião Salgado

Avancini expõe o desejo do fotógrafo em registrar as informações essenciais presentes em cena por meio da escolha do espectro preto e branco, em busca da mobilização do aspecto mais sensível da visão humana. Em sua obra, o foco fica no acontecimento em si, e não nas cores que o envolvem.

A fotografia de rua e o momento decisivo também coexistem na composição das imagens de Salgado. Atílio afirma que o fotojornalista foi influenciado por Henri Cartier-Bresson, vanguardista “na prática do instantâneo de câmera Leica na mão, fazendo exaltar o mundo moderno, a velocidade e a civilização urbana”. O professor ainda explica que a “prática do momento decisivo foi permeada pela ética da fotografia humanista, buscando tratar o transeunte como cidadão”.

 “Ele capta a essência pela identificação, é um mineiro-brasileiro que sabe o que é a humilhação e a dor, reconhecendo essa experiência como aprendizado para mudanças exteriores-interiores.”
Atílio Avancini

O entrevistado destaca a obra Êxodos, coletânea que reúne registros da história da humanidade em trânsito. “Essa fuga da pobreza ou da guerra nunca é por vontade própria. Apesar da dor, a pauta da viagem em retirada é plástica e fotográfica. Sebastião Salgado trabalhou nesse projeto por seis anos e em quarenta países. Mas ao fotógrafo é preciso financiamento, coragem e desapego para compartilhar esses lugares inóspitos.”

Sebastião Salgado em Paris no ano de 2020 [Imagem: Atílio Avancini/Revista USP]

O olhar social

Na visão de Atílio, “Salgado dizia que a sua intenção fotográfica era para o sofrimento alheio ser divulgado, ou seja, a câmera como microfone. Sem dúvida, acredito na causa”.

O anseio de Sebastião para registrar essa causa é o que inspirou a dissertação de mestrado de Uatumã Campos Rocha, professor universitário, fotógrafo e Bacharel em Direito e Filosofia. O pesquisador explora as noções de poder e violência que podem ser lidas nas imagens do artista. Essa visão social pode ter sido oriunda de sua jornada por diferentes territórios, que o permitiu observar a violência e sofrimento a que estão submetidos determinados grupos, segundo Uatumã.

Um exemplo muito claro está no reconhecido trabalho “Gold- Mina de Ouro Serra Pelada”, que tem o garimpo como o plano de fundo dessa obra. Nesse registro documental humanista, segundo Uatumã, é possível ver pelas lentes de Salgado os encadeamentos humanos em um cenário de exploração.

Uatumã explica que as histórias que Salgado registra no garimpo são as mais diversas e complexas possíveis, pois a vontade de atingir determinados sonhos condiciona as pessoas às situações mais absurdas possíveis. O pesquisador relata que há uma exploração de corpos muito intensa, principalmente de mulheres, que são abusadas sexualmente e compelidas a fazerem favores sexuais em troca de ouro, calças e outros produtos. 

“As fotos na Serra Pelada exploram a ideia de ganância. Eram pessoas em busca de sonhos impossíveis de se alcançar na realidade material a que estavam inseridas.”
Uatumã Campos Rocha

Para o entrevistado, o olhar social está presente até mesmo na configuração em preto e branco de suas obras. Nesse formato, os símbolos cromáticos não distraem o leitor do essencial, que é a condição dos explorados e a sua socialização, relata. O essencial, segundo Uatumã, aparece nas fotografias por meio dos pés rachados, dos rostos cansados e até mesmo da sanfona, que registra a música e a vida acontecendo em meio ao sofrimento.

Legado ambiental

Além de suas fotografias que denunciam a degradação da natureza, Sebastião Salgado planejou uma restauração florestal em conjunto com sua esposa, na Fazenda Bulcão. O território passou por um processo chamado de “restauração ecossistêmica” e atualmente é considerado uma Reserva Particular do Patrimônio Natural. 

A recuperação da área vegetal na Fazenda Bulcão começou no início dos anos 2000 [Imagem: Reprodução/Youtube BrightVibes]

O casal também criou o Instituto Terra, uma Organização Não-Governamental (ONG) que tem como objetivo a recuperação do meio ambiente (com enfoque na biodiversidade da Mata Atlântica) e o desenvolvimento sustentável, especialmente na região da Bacia do Rio Doce.

Em depoimento ao G1, o diretor executivo do Terra, Sérgio Rangel, explica que o objetivo de Salgado no projeto se concretiza a partir da educação ambiental, do reflorestamento de áreas degradadas e da recuperação de nascentes.

Pelo site do projeto é possível inscrever sua propriedade, visitar Aimorés, comprar produtos ou doar para a ONG, colaborando para a efetivação de suas ações.

Para Atílio Avancini, “o Brasil deve se inspirar em Sebastião Salgado, que sintetiza o brasileiro como um ser voltado e dedicado ao trabalho. Sua fotografia penetrou o universo poético para adentrar de modo original o mundo da arte”.

[Imagem de capa: Reprodução/WikimediaCommons]

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