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Vulcanologia: a ciência que instigou Katia e Maurice Krafft a dedicarem uma vida à ela

O casal trabalhou para registrar o intrigante funcionamento dos vulcões e conscientizar sobre seus perigos
Por Samuel Amaral (amaral.samuel@usp.br)

Nos corredores da Universidade de Estrasburgo, ela, que estudava geoquímica, e ele, geologia, encontraram em conversas banais as suas maiores paixões: os vulcões. Os dois cientistas nasceram na região da Alsácia, a leste da França, e sonhavam com o mesmo destino, a poucos quilômetros um do outro. 

Katia Krafft conheceu a imponência dos vulcões em filmes e fotografias, o que a fez desejar vê-los pessoalmente. Na universidade, a primeira erupção que estudou foi a do Stromboli, uma ilha formada vulcanicamente ao norte da Sicília. Lá, ela  reuniu dados e analisou amostras de gases e rochas. 

Na época, os pesquisadores temiam se aproximar dos eventos eruptivos, mas Katia chegava perto o suficiente para fotografar e registrar os fenômenos. O público em geral tinha interesse em suas fotografias, e, por isso, elas tornaram-se sua fonte de renda ao vendê-las para revistas e outros grupos interessados.

Maurice Krafft se encantou pela primeira vez pelas estruturas cuspidoras de lava durante sua infância. Em um passeio com a família em Nápoles, ele viu o Stromboli aos sete anos de idade. Aos 15, juntou-se à Sociedade Geológica da França. Após terminar o ensino básico, começou a estudar geologia na Universidade de Besançon, mas mudou-se para Estrasburgo pouco tempo depois.

Casal Krafft
Katia e Maurice em uma de suas aventuras em meio a lava
[Imagem: United States Geological Survey/Wikimedia Commons]

O casal viajava para vários locais do globo em busca de vulcões ativos, que eram  registrados por meio de vídeos e fotos. Muitas vezes, eram os primeiros a chegar para ver a erupção. O respeito e a inveja no mundo da vulcanologia lhes rendeu o apelido de ‘Os Diabos dos Vulcões’. “Eles faziam uma analogia de que as veias da Terra são as fissuras e a lava é o sangue saindo. Assim, vemos o pulsar da Terra”, revela a vulcanóloga e doutora em geologia, Leticia Guimarães.

Porém, para entender a herança deixada pelas aventuras dos Krafft, primeiro é necessário compreender a profundidade da estrutura de um vulcão e seus sistemas.

Mapa giratório do núcleo da Terra
Vulcões são sistemas complexos gerados por dinâmicas que vão desde o núcleo da Terra até quilômetros acima do nível do mar
[Imagem: Sanne.cottaar/ Wikimedia Commons]

Magma: o construtor de vulcões

No limite entre o manto e o núcleo da Terra, a temperatura é extremamente alta e varia entre 3000°C e 3800°C. O contato entre as duas camadas faz com que parte do manto se funda e desloque-se para cima. Essa formação ascendente é chamada de pluma mantélica, o início da lava como é conhecida.

Após formado, o magma é um fluido visco-elástico que possui fase líquida, sólida e gasosa. Sua composição varia, mas tem a sílica como um de seus principais componentes. “O que é o magma? Rocha fundida. Mas ele é uma estrutura complexa: vai ter a parte líquida,  pode ter minerais, que são uma parte sólida, e pode ter bolhas, que é a parte gasosa”, explica a vulcanóloga.

Esquema da pluma mantélica
A pluma mantélica ascende dentre o fluído viscoso do manto da Terra
[Imagem: Christyyc/ Wikimedia Commons]

A substância expelida pelos vulcões é dividida em três categorias que levam em consideração a porcentagem de sílica, a temperatura e os gases voláteis presentes na composição. A menos viscosa –o magma basáltico – tem cerca de 50% de SiO2, elevada temperatura – entre 1000°C a 1200°C – e baixo teor de voláteis. A intermediária, o magma andesítico, com aproximadamente 60% de SiO2, possui temperatura de 800°C a 1000°C e maior teor de voláteis. A mais viscosa, o magma riolítico, tem uma temperatura bem próxima do ponto de solidificação da lava – entre 600°C a 800°C –, mais de 70% de SiO2 e elevado teor de voláteis.

Os três principais tipos de erupções estão totalmente associados à categoria de lava formada e como ela se comporta até chegar à superfície. “Há um stress que está associado ao transporte do magma. Se ele é feito de maneira lenta, é pouco o stress. O magma consegue se adaptar a esse esforço Nessa situação, geralmente são os menos viscosos”, expõe a doutora. 

No exemplo dado por Guimarães, a erupção é classificada como efusiva. Nesse tipo, o derramamento de lava é abundante e fluído, ela desliza rápido e se espalha por grandes distâncias, formando correntes e mantos de lava. Não há grandes explosões nesse fenômeno e a liberação dos gases é feita de forma calma.

Vulcão em erupção
Na efusiva, a lava sai sem causar grandes danos
[Imagem: Giles Laurent/ Wikimedia Commons]

“As erupções explosivas acontecem quando esse stress é muito intenso e aplicado de maneira muito rápida a ponto do magma ficar sob stress e não conseguir dissipá-lo. E aí, ele quebra-se todo”. Nessa configuração, a erupção produz grandes quantidades de cinzas e gases tóxicos, que se espalham pela atmosfera e formam no solo o chamado fluxo piroclástico, que são correntes de gases quentes que viajam em alta velocidade e são altamente destrutivas.

Há também um terceiro tipo, que mistura os dois primeiros e é chamado de misto ou intermédio. Neste, fases explosivas e efusivas se alternam, o que faz com que escoadas de lava sejam acompanhadas de violentas explosões. 

Os vulcões nascem como resultado dessas erupções, são esculpidos por elas. Os fluxos de lava das erupções efusivas formam os chamados vulcões escudo, que são caracterizados por grandes áreas de base e encostas suaves. Como exemplos, há o Mauna Loa e o Kilauea, ambos no Havaí.

Montanha ao fundo com pinheiro em frente
O grande Vesúvio descansa no horizonte
[Imagem: Jebulon/ Wikimedia Commons]

Já os estratovulcões são formados pela alternância entre a lava e o material fragmentado do fluxo piroclástico, sendo originado por erupções mistas. Por causa dessa alternância, eles têm as encostas mais íngremes e suas áreas de base são menores, tendo um formato cônico bem definido. Nessa categoria, há o famoso Vesúvio na Itália e o Monte Santa Helena nos EUA.

Íngremes e de menor estatura, os cones de cinzas são formados pelos fragmentos de lava e rocha expelidos pelas erupções explosivas. Exemplos desse tipo são o Diamond Head no Havaí e o Paricutín no México.

Esquema da anatomia de um vulcão escudo
Anatomia de um vulcão escudo
[Imagem: Antonov Antonio Valdisturlo/ Wikimedia Commons]

Observando vulcões

Com tamanha potência, os vulcões são eventualmente um perigo e chamam a atenção dos cientistas como objetos de estudo. “Hoje em dia, a gente já tem mais de um bilhão de pessoas vivendo próximas a vulcões, então mais ou menos 14% da população mundial está diretamente exposta a esse perigo”, comenta Guimarães.

“Utilizamos redes de sismômetros para detectar terremotos, técnicas de geodésia como GPS e InSAR para monitorar deformações na superfície, e analisamos a emissão de gases como SO2, CO2 e H2S. Tudo isso auxilia na identificação de mudanças na atividade magmática”, expõe Natália Gauer Pasqualon, mestre em geologia e vulcanóloga. Além disso, diversos vulcões têm apontadas para eles câmeras que captam imagens termais, o que ajuda a detectar a elevação de temperatura em sua superfície e permite o monitoramento em tempo real das mudanças na atividade vulcânica.

Quando uma erupção está para acontecer, diversos sinais são emitidos. Os mais comuns são a deformação do relevo e o aumento na emissão de gases como o enxofre e o dióxido de carbono O solo começa a esquentar e fumarolas – pontos de fumaça saindo da cratera – aparecem. Em casos mais graves, fissuras e inflação do terreno também podem ser vistos.

“Não é possível prever exatamente quando, como e onde o vulcão vai entrar em erupção. Mas a gente consegue ver sinais que mostram os indícios de uma erupção iminente”, comenta Pasqualon.

Casal explorando geologia, para ilustar o casal Krafft
É necessário coragem para se aproximar dos perigos vulcânicos
[Imagem: W. Chadwick/ Archived United States Geological Survey]

O legado de Katia e Maurice Krafft

No começo de suas produções, o casal tinha como foco erupções efusivas. Seus vídeos e fotos consistiam em se aproximar de fenômenos como a lava, as bolhas e os gases, os quais registravam e faziam as possíveis coletas para estudo laboratorial. Com o passar do tempo, o manejo da câmera tornou-se mais cinematográfico: os Krafft começaram a trabalhar nos planos com criatividade para produzir materiais mais intrigantes aos telespectadores.

Porém, tudo mudou com a erupção de dois vulcões. A primeira foi no Santa Helena, em 1980 nos Estados Unidos, que teve danos maiores que os previstos pelos vulcanólogos em decorrência do desabamento de sua face norte. O resultado gerou uma pluma vulcânica de 24 km de altura e uma erupção de 24 megatons de energia térmica – o que equivale a 1600 vezes a bomba atômica lançada sobre Hiroshima. Nesse desastre, 57 pessoas morreram diretamente pela explosão e 4 indiretamente, dentre elas, um amigo do casal.

A segunda foi a chamada Tragédia de Armero, ocorrida em decorrência da erupção do Nevado del Ruiz em 1985 na Colômbia. Nela, as autoridades foram alertadas, mas decidiram não levar à frente o plano de evacuação da cidade de Armero, nas proximidades do vulcão. Durante a noite de 13 de novembro, enormes fluxos de lama e detritos vulcânicos chamados de lahars ganharam velocidade e atingiram a cidade. Mais de 20 mil dos 29 mil habitantes foram mortos. O casal chegou após o desastre e fez o registro audiovisual do acontecido.

Cidade filmada pelo casal Krafft, em imagem aterrada pela lama
A pequena cidade foi levada pela enxurrada de lama e lava
[Imagem: N. Banks/ United States Geological Survey]

Chocados com essas tragédias, Katia e Maurice Krafft mudaram seu foco para a produção de materiais de conscientização acerca dos vulcões, seus perigos e funcionamentos. Para isso, começaram a viajar para o que eles chamavam de “vulcões cinzas”, os que formam erupções explosivas e mistas.

Nesse período, produziram uma série de vídeos chamados de “Understanding Volcanic Hazards”, em que procuravam alertar a população e as autoridades de zonas de risco. Em 1991, quando o vulcão Pinatubo entrou em atividade nas Filipinas, o vídeo foi mostrado para a então presidenta do país Corazón Aquino e outros líderes, o que os convenceu que a evacuação da região era necessária.

“Na ciência do risco, a gente tem feito um esforço para evitar o termo simplesmente desastre natural e usar o termo desastre sócio-natural. Se um vulcão entra em erupção no meio do nada, não tem perda de vida, não tem perda econômica, não é um desastre, é um evento perigoso e um fenômeno natural que ocorre ali”, comenta Guimarães.

Em 1991, após serem contatados por observatórios locais, o casal Krafft foi ao Japão para ver a iminente erupção do Monte Unzen. Depois de alguns dias de observação, eles foram surpreendidos pelo fluxo piroclástico que decorreu do rompimento do domo de lava na cratera vulcânica. O casal e o amigo pesquisador Harry Glicken morreram na hora. No dia seguinte, os corpos foram encontrados. Pelos sinais, Glicken tentou correr, mas a posição dos restos mortais de Katia e Maurice Krafft indicava que eles permaneceram onde estavam.

Pluma vulcânica do Santa Helena, que matou o casal Krafft
Pluma vulcânica do Santa Helena
[Imagem: Donald A. Swanson/ USGS Cascades Volcano Observatory]

Prêmios e Homenagens

Em vida, Katia ganhou o prêmio da Vocation Foundation por seu primeiro trabalho em vulcanologia em 1969. Em 1975, o casal recebeu do então presidente da França, Valery Giscard, o prêmio “Liotard for Exploration”, que homenageia expedições que tenham promovido o espírito de exploração e estudo. De acordo com a Sociedade Francesa de Exploradores, a premiação consagra grupos que tenham feito uma “viagem onde o risco e a investigação científica se combinam”.

Após a morte dos dois, foram homenageados com a criação do Prêmio Katia e Maurice Krafft pela União de Geociências Europeia. Nele, é premiado o cientista que criar métodos de comunicação  inovadores para a transmissão do conhecimento científico.

A LAVCEI (Associação Internacional de Vulcanologia e Química do Interior da Terra) premia de quatro em quatro anos a medalha de Honra Krafft. Para conquistá-la, o cientista deve  contribuir de forma significativa para o aumento do saber sobre vulcões ou se destacar em trabalhos com as populações de áreas de risco de erupções. 

O Centro de Estudos de Vulcões Ativos da Universidade do Havaí estabeleceu um fundo em homenagem ao casal. As doações feitas ao fundo tem como foco alertar os habitantes de nações com alto risco de erupções vulcânicas e lhes ensinar o que deve ser feito em casos em que o desastre é iminente.

Por fim, no vulcão Piton de La Fournaise, no departamento ultramarino francês conhecido como ilha da Reunião, há uma cratera vulcânica com o nome do casal: Cratera Maurice e Katia Krafft.

“Maurice e Kátia não gostavam de classificações, eu acho que porque eles eram muito passionais. E não tem como não ser. Eu acho o fenômeno mais bonito de todos dentro da geologia, porque vemos a interação tanto do interno quanto do externo”, comenta Guimarães.

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