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O Young Adult brasileiro: mais que uma literatura jovem

Livros com temáticas classificadas como adolescentes ou de fases iniciais da vida adulta ganham espaço no cenário nacional e conquistam diversos públicos

Young Royals (2021), um dos sucessos mais recentes da Netflix, explora as descobertas da adolescência com um toque de realeza. Outros filmes e séries como Para Todos os Garotos que Já Amei (2018) e o brasileiro Modo Avião (2020) também são sucesso na plataforma e exemplos do apelo de protagonistas jovens no mundo e, aqui, no Brasil. Na literatura, não é diferente. Livros que tratam dos grandes dramas envolvendo a adolescência vêm ganhando cada vez mais visibilidade ao ponto de terem um gênero totalmente seu o chamado Young Adult (ou jovem adulto, em português).

O gênero e a sua transformação no Brasil

O termo Young Adult nasce nos Estados Unidos no século 20 e se caracteriza como uma literatura voltada para o público entre 12 e 18 anos. A doutora em Literatura Comparada, Cássia Farias, e a mestre em Estudo da Literatura, Regina Carneiro, ambas pela Universidade Federal Fluminense (UFF), afirmam em seu artigo Juvenil ou Jovem? Construções de sentido da literatura brasileira atual para jovens que “existe alguma divergência entre os estudiosos da área sobre qual é a faixa etária precisa [do Young Adult]”, mas esse período citado é o que aparece na maior parte das definições. De modo geral, a literatura YA engloba os livros infantojuvenis e juvenis.

O maior expoente desse gênero nos Estados Unidos é o autor John Green, escritor das obras A Culpa é das Estrelas (Intrínseca, 2014), Quem é você, Alasca? (Intrínseca, 2014) e Cidades de Papel (Intrínseca, 2013). As três foram, inclusive, adaptadas para o cinema e fizeram grande sucesso no Brasil. Todos os livros abordam adolescentes no ensino médio com diferentes problemas: uma garota enfrentando um câncer, um garoto em uma escola integral à procura do “Grande Talvez” e um jovem em busca da melhor amiga desaparecida.

 

Young Adult: jovem branco, de cabelos curtos pretos, blusa cinza xadrez e mochila bege às costas, está parado de perfil em frente a uma casa de cor cinza, com janelas brancas
Nat Wolff interpreta o adolescente Quentin na adaptação do livro de John Green, “Cidade de Papel”, lançado pela Temple Hill Entertainment [Imagem: Reprodução/Youtube]


A principal característica do gênero é o protagonismo jovem e as problemáticas dessa fase da vida, no entanto ainda podem existir algumas diferenciações no caminho. Gabriela Tonelli, editora da Seguinte (selo jovem da Companhia das Letras) explica
que YA é um gênero amplo e dentro dele podem existir muitos subgêneros, como a fantasia e o suspense, apesar de o romântico ser o principal.

A trilogia Sombra e Ossos (Minotauro, 2013), da escritora Leigh Bardugo, e o mistério Um de Nós Está Mentindo (Galera Record, 2017), de Karen M. McManus, são dois exemplos dessa diversidade dentro do YA: o que eles têm em comum são os adolescentes como focos da história, mas, enquanto o primeiro segue a trajetória de Alina Starkov, uma jovem de dezessete anos que descobre ter poderes capazes de destruir um grande mal que assola seu país, o livro de McManus trata de quatro adolescentes no ensino médio suspeitos de assassinar um colega de classe. No Brasil, ainda existe pouca diversificação em subgêneros e a grande parte dos livros permanece na temática romântica, porém é uma área aberta a novas explorações, como é o caso da fantasia Luzes do Norte (Galera Records, 2021), de Giu Domingues.

Em termos de idade, lá fora o gênero se divide em três categorias: middle-grade, livros voltados para 9 até 12 anos; lower young adult, para jovens ainda no início da adolescência, e, por fim, o upper young adult, que foca nos anos universitários. No entanto, ao chegar ao Brasil, ele adquiriu uma cara própria. Gabriela Tonelli diz que, aqui, o YA não compartilha dessa divisão e engloba tanto livros juvenis-adolescentes quanto aqueles que tratam do começo da vida adulta, já que a maior parte dos consumidores desse gênero estão dentro dessa faixa.

Tonelli ainda complementa que a literatura Young Adult brasileira se aproxima mais do New Adult e, dependendo de como é feita a abordagem ao longo da história, a obra acaba sendo classificada como esse último gênero. O New Adult também pega o início da fase adulta, como o YA, a diferença é o romance mais hot com cenas eróticas explícitas. É o caso dos livros After (Paralela, 2014), da estadunidense Anna Todd, e Os Números do Amor (Paralela, 2018), de Helen Hoang. Para a literatura brasileira, o NA é um tema pouco explorado, sendo mais comum em plataformas independentes de publicação, como o Kindle Unlimited, da Amazon, e o site Wattpad.

 

Young Adult: tela de computador com fundo branco e laranja, exibindo a imagem de um computador e de um celular à direita e da frase "Olá, somos o Wattpad" à esquerda.
Não apenas o New Adult, mas muitos autores brasileiros de YA começaram no Wattpad. [Imagem: Reprodução/Wattpad]


Uma literatura feita somente para jovens?

Apesar de carregar o título de “literatura juvenil”, os livros YA não são apenas voltados para adolescentes e jovens adultos. Tonelli explica que o Young Adult vai além disso e “faz muito sucesso com adultos também”, e não só adultos que convivem diariamente com adolescentes, como professores e pais. O sucesso é geral por tratar de temáticas universais, como a comunidade LGBTQIA+, preconceito racial e doenças psicológicas. São temas com os quais qualquer pessoa pode se identificar, independente da idade. Porém, mesmo com a alta visibilidade desse gênero no mercado, ainda se vê certo preconceito com os livros jovens.

Clara Alves, autora de sucesso no Brasil com romances do gênero Young Adult.

Clara Alves, autora do livro Conectadas (Seguinte, 2021), disse em entrevista ao Sala33 que quem consome essa literatura não carrega esse preconceito, porém, como escritora, ela já passou por situações em que seus livros não foram levados a sério. “Quando eu falo para as pessoas que sou escritora, elas perguntam ‘O que você escreve?’, e aí eu falo ‘Romance adolescente’, e ela já fica […] decepcionada como se não fosse literatura”, conta.

Gabriela lembra também que o protagonismo jovem não é algo recente e exemplifica com o grande clássico da literatura estadunidense: O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger. Para ela, o que acontece é uma ideia por parte do público de que esses romances tratam de temas superficiais, o que não é uma realidade quando analisamos melhor cada livro. A própria obra da Clara Alves, Conectadas, explora temas muito importantes como sexualidade, problemas parentais, além da procura do verdadeiro “eu”. “Não precisa ter essa discrimininação, porque a leitura em geral sempre vai ajudar a gente a formar pensamentos críticos”, finaliza Clara.

 

O livro “Conectadas”, de Clara Alves, que segue a história de Raíssa e Ayla. As duas se conhecem por meio de um jogo online e se apaixonam, porém Ayla acha que Raíssa é, na verdade, um garoto chamado Leo. [Imagem: Reprodução/Instagram/@claraalvesg]

 

Em relação às pautas nos livros brasileiros, as professoras Cássia Farias e Regina Carneiros destacam em seu artigo que “esses livros apresentam uma variedade de temáticas, que passam desde conflitos do dia a dia, como amor e amizade, a assuntos considerados pesados, como saúde mental, homofobia e ISTs [infecções sexualmente transmissíveis]. É, em muitos momentos, uma literatura engajada, abordando questões de importância social e com foco na representatividade”. Obras como Enquanto eu não te encontro (Seguinte, 2021) e Querido Ex (Galera Record, 2020), dos autores Pedro Rhuas e Juan Jullian, respectivamente, são romances gays que exploram temáticas complexas. O livro de Juan não apenas trata de um relacionamento abusivo, como também fala sobre temas raciais e violência sexual, mas com o tom mais leve que caracteriza o gênero YA.

 

Young Adult: desenho de pilha de seis livros, com as lombadas viradas para o leitor, com fundo de bandeira de arco-íris e dizeres "#Leiacomorgulho"
Sugestões publicadas no Instagram oficial da Galera Record, selo juvenil da Editora Record, no dia internacional contra a LGBTfobia. Três desses livros (“Querido Ex”, “Você tem a vida inteira” e “O amor não é óbvio”) são brasileiros [Imagem: Reprodução/Instagram/@GaleraRecord]

A grande parte dos livros jovens se preocupa com essas questões, ainda mais do que a literatura voltada para adultos, segundo Tonelli. Clara completa que essas temáticas são “abordadas talvez até com mais sensibilidade, justamente por a gente entender que estamos tratando de pessoas que estão formando a sua personalidade”. 

As influências estrangeiras

Ainda que escritores nacionais estejam ganhando espaço na literatura YA, o maior sucesso ainda pertence aos livros internacionais. Consequentemente, existe uma inspiração por parte dos autores brasileiros na literatura estrangeira. Boston Boys (Alt, 2017), da autora brasileira Giulia Pam, faz uso dessas referências: a trama se passa nos Estados Unidos e grande parte dos protagonistas também são estadunidenses. Clara Alves fala que a grande exaltação de livros YA estrangeiros no Brasil acaba por transmitir aos escritores, especialmente os iniciantes, a ideia de que esse é o “jeito certo de fazer literatura”. Então, muitos escritores optam por adaptar suas histórias em outros países ao invés de no território brasileiro 

Mas, mesmo em livros considerados essencialmente brasileiros, a inspiração estrangeira é mais comum do que se imagina, tendo em conta que o Brasil foi colonizado por múltiplas nações. Autores considerados clássicos no país, como Machado de Assis e Guimarães Rosa, carregam em suas obras inspirações de todas as partes do mundo, algumas quase imperceptíveis, mas mantêm a essência brasileira que críticos e leitores atribuem a seus livros. O próprio Érico Veríssimo, no prefácio do livro Caminhos Cruzados (Companhia das Letras, 2005), afirma que a inspiração para a obra veio enquanto traduzia Contraponto (Biblioteca Azul, 2014), do inglês Aldous Huxley

Gabriela afirma que as pessoas estão começando a consumir mais literatura nacional porque querem uma realidade brasileira. Além disso, ela cita que há uma ligação muito maior entre leitores e autores brasileiros, já que esses últimos são mais acessíveis, estão presentes nas redes sociais, participam de eventos como a Bienal e o Flipop, e não têm “uma barreira de língua como os estrangeiros”. 

Além de crescer internamente no país, a literatura brasileira também tem ganhado mais espaço no exterior, como é o caso de Quinze Dias (Globo Livros, 2017), de Vitor Martins. O livro foi traduzido lá fora como Here the Whole Time e ganhou elogios de grandes escritores estrangeiros do YA, como David Levithan, Alise Oseman e Simon James Green. “A gente tem muita riqueza e eu acho que estamos começando a entender e a trazer isso para nossas histórias, mas ainda é um caminho que demora”, diz Clara Alves. 

 

As capas do livro “Quinze Dias” de Vitor Martins. A primeira é a capa estadunidense, a segunda, inglesa, e, por último, a original publicada aqui no Brasil. [Imagem: Reprodução/Goodreads]

Independente da temática que aborda, a literatura Young Adult brasileira é um fenômeno no país e os leitores estão descobrindo que esses livros possuem a mesma qualidade que as obras YA que vêm de fora. O crescente apoio à literatura nacional é importante e representa um avanço diante de políticas públicas culturais cada vez mais restritas, como as implementadas pelo atual governo, além de fomentar o desenvolvimento de novos leitores e escritores, assim como o debate social. 

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