Noite Passada em Soho (Last Night in Soho, 2021) conta a história de Eloise Turner (Thomasin McKenzie), uma jovem sonhadora do interior que consegue uma vaga na Faculdade de Moda na Universidade das Artes de Londres. No entanto, suas expectativas logo são quebradas e, misteriosamente, a jovem é transportada para o corpo de uma aspirante à cantora, Sandie (Anya Taylor-Joy), no ano de 1966. Eloise, amante da cultura da época, torna as viagens no tempo o seu escapismo da realidade, mas rapidamente descobre que a situação não é exatamente o que parece ser.
É difícil saber por onde começar a analisar o filme, já que são tantos pontos positivos. Desde a narrativa em si até as partes técnicas, Noite Passada em Soho não peca em nenhuma de suas propostas. A direção de Edgar Wright é espetacular do início ao fim, e se desdobra em planos que representam a dualidade entre o passado e o presente e, sobretudo, entre Eloise e Sandy, de forma brilhante. A utilização dos reflexos é bem aproveitada e explorada de diversas maneiras, e, apesar da edição também possuir um papel essencial nesse sentido, boa parte dos efeitos de transição entre Eloise e Sandy é prática, o que confere um tom ainda mais louvável para o diretor.
A música cumpre um papel fundamental para construir a ambientação dos anos 60 e também o gosto musical de Eloise. Já esperado do criador de obras como Em Ritmo de Fuga (Baby Driver, 2017), Edgar Wright apresenta em Noite Passada em Soho uma extensa e rica trilha sonora que, segundo o próprio, foi pensada antes mesmo da história ter sido escrita. Em entrevista para a BBC Radio 1, Wright disse: “fiz essa playlist chamada Soho Five Stars, que eram minhas músicas preferidas dos anos 60, e eu fiz isso tipo, uma década atrás. E de alguma forma era como um lembrete de que toda vez que eu ouvisse uma daquelas músicas, eu pensava ‘eu tenho que escrever Noite Passada em Soho’”.
Dentre as múltiplas qualidades do longa, a direção de arte merece uma atenção especial: o figurino, o cabelo e a maquiagem fazem jus à temática fashionista dos personagens das diferentes décadas; os cenários e as incessantes luzes neon ajudam a criar a agitada atmosfera da Londres noturna, tanto no passado quanto no presente; e os efeitos visuais não deixam a desejar. Tudo casa perfeitamente, de modo a criar uma atmosfera nostálgica na dose certa, isto é, sem deixar de lado os aspectos contemporâneos retratados. E nisso o terror da história se inclui.
Apesar do saudosismo aos anos 60 e da definição de thriller psicológico, pela sinopse é possível não esperar por um terror convencional. Contudo, o que Edgar Wright faz é elevar a premissa de Noite Passada de Soho também ao gênero, misturando aspectos dos antigos thrillers a temáticas atuais e às já consolidadas. Isto é, elementos clássicos do terror cinematográfico são utilizados a fim de representar terrores reais e presentes há muito tempo em nossa sociedade, e o diretor o faz com maestria.
As atuações também são dignas de elogios. Anya Taylor-Joy e Thomasin McKenzie entregam personagens femininas de fortes personalidades que se revelam complexas em muito mais camadas conforme a narrativa se desenrola. A intérprete de Sandie comentou, em entrevista à BBC Radio 1, sobre como foi trabalhar ao lado de McKenzie: “nós duas realmente nos tornamos muito cientes de como a outra pessoa se movia, muito cientes das diferentes deixas e nos saímos muito bem nisso, na verdade. Nós meio que entramos em sincronia muito rapidamente”. Vale pontuar também sobre Matt Smith que igualmente possui o seu mérito na parte da atuação ao dar vida a Jack.
Noite Passada em Soho é uma obra muito bem orquestrada e equilibrada. O longa prende a atenção do espectador durante cada um de seus 117 minutos e aborda questões pertinentes de forma aterrorizante, mas bela.
O filme está em exibição nos cinemas brasileiros. Confira o trailer legendado:
*Imagem da capa: Reprodução/Universal Pictures
Concordo com cada palavra, Edgar Wright em cada gênero que passa traz uma obra de arte nova e um forte candidato pra entrar na minha lista de filmes favoritos. Excelente resenha!