O terror é um gênero bem conhecido no cinema japonês contemporâneo e apresenta uma forte identidade cultural, mas suas raízes datam de muito tempo antes de sua popularização e influência em nível internacional. O horror nipônico é, em sua maioria, influenciado pelos contos populares particulares da cultura do Japão que eram passados oralmente para gerações posteriores. Com histórias sobrenaturais de demônios invisíveis e fantasmas, os contos de terror foram atuados e trazidos à vida por meio do teatro tradicional, como é o caso do Kabuki e do Noh, sendo que este é performado desde o século 14.
As artes cênicas foram uma grande inspiração para o desenvolvimento dos filmes de terror no Japão, e até mesmo os elementos utilizados no teatro foram conservados na produção das obras cinematográficas. Os primeiros filmes japoneses de terror datam do final do século 19, mas a grande explosão do gênero se deu após a Segunda Guerra Mundial, mais especificamente na década de 1960. Um dos filmes mais proeminentes dessa época foi Onibaba – A Mulher Demônio (Onibaba, 1964), do diretor Kaneto Shindô, um terror histórico que se passa no Japão feudal e acompanha uma viúva e sua sogra tentando sobreviver em meio a uma guerra civil. O nome do filme se refere a uma lenda sobre demônios que são vistos como mulheres extremamente velhas e rancorosas, de feições horripilantes.


As características do terror japonês e sua influência no gênero
Um dos pontos mais notáveis do terror japonês é seu distanciamento das representações originais do gênero no Ocidente. No Japão, o gênero do medo é focado principalmente na construção de tensão, que envolve terror psicológico e sobrenatural, o que inclui fantasmas, exorcismos e possessões. Enquanto o terror americano é, normalmente, acelerado e repleto de cenas de ação e jump scares, o terror japonês apresentam características mais sutis, que focam na ambientação e na tensão por ela criada.
Porém a presença desses elementos no terror hollywoodiano atual é claramente perceptível, o que ocorre devido à influência das histórias de terror orientais no cinema internacional. Essa influência pode ser facilmente percebida com os diversos remakes estadunidenses de filmes de terror japoneses, sendo esse o caso de O Chamado (The Ring, 2002), que, na verdade, é um remake do longa Ring: O Chamado (Ringu, 1998), dirigido por Hideo Nakata. O filme conta a história de uma jornalista chamada Reiko Asakawa (Nanako Matsushima) que decide investigar uma lenda que diz que os que assistirem a determinado vídeo morrerão em sete dias de maneira inexplicável.

Principais filmes do gênero
House (Hausu, 1977)

Visto como um potencial destruidor de carreiras, Obayashi assumiu a condução da obra e, em 1977, House foi lançado nos cinemas japoneses. A produção acompanha Gorgeous (Kimiko Ikegami), uma estudante que decide passar suas férias junto com seis amigas na casa de uma tia distante. Lá, elas presenciam forças sobrenaturais e passam a lutar por suas sobrevivências.
Descoberto posteriormente pelo Ocidente, House é considerado um cult. Famoso por sua estética experimental, a narrativa visual é muito mais explorada do que o enredo em si. Ainda, Nobuhiko dirige um filme divertido que mistura elementos do trash com o terror. Com uma aprovação de 90% no agregador de críticas Rotten Tomatoes, é um ótimo exemplo da execução do surrealismo na arte cinematográfica.
Perfect Blue (Pāfekuto Burū, 1997)

O longa cria um forte vínculo com a realidade ao destacar os males que a exposição midiática podem causar no dia a dia de uma celebridade, além de denunciar as abusivas condições enfrentadas por muitos artistas. Seu legado é perceptível até hoje, tendo sido fonte de inspiração para os filmes Requiém Para um Sonho (Requiem for a Dream, 2000) e Cisne Negro (Black Swan, 2010).
O Teste Decisivo (Ôdishon, 1999)

Ao investir no desenvolvimento do suspense, Takashi Miike dirige um longa cujo ritmo aumenta gradativamente. Conforme o público mergulha no passado de Asami, o encaixe das peças é conduzido pela aclamada atuação do casal de protagonistas. Com destaque para a então estreante Eihi Shiina, a sucessiva transformação na personalidade de Yamazaki é feita com maestria.
Em junho de 2014, surgiram rumores de que um remake norte-americano de O Teste Decisivo estava sendo produzido. No entanto, nenhuma atualização sobre a condução das filmagens foi feita.
Água Negra (Honogurai Mizu no soko kara, 2002)

Com um passo lento, Nakata constrói a atmosfera do medo ao redor da água partindo do zero. Com o desenvolvimento da trama, a água parece estar presente em todo momento, rodeando as protagonistas. Também é abordado o tema de uma pessoa que não é estável psiquiatricamente e experiencia situações sobrenaturais, o que causa uma incerteza no espectador em relação ao que é real. O filme recebeu uma adaptação norte-americana de mesmo nome em 2005, dirigido por Walter Salles.
O Grito (Ju-on, 2002)

Antecedido por dois curtas-metragens e dois longas lançados diretamente em home video, Takashi Shimizu foi responsável por criar uma das franquias de terror mais conhecidas na atualidade. Hoje, a saga possui nove filmes produzidos no Japão, incluindo Sadako vs Kayako (2016), um crossover com Ringu. Além disso, possui uma série original Netflix intitulada O Grito: Origens (Ju-On: Origins, 2020).
O sucesso com o público fez barulho ao redor do mundo, o que fez com que os Estados Unidos encomendassem sua adaptação. O Grito (The Grudge, 2004) também foi dirigido por Shimizu e segue quase o mesmo enredo da versão japonesa — no entanto os personagens principais são substituídos por intercambistas norte-americanos. A principal diferença entre o original e o remake é a montagem: enquanto o primeiro brinca com a temporalidade em uma narrativa não linear, o segundo é direto ao ponto, com um possível intuito de agradar os interesses do mercado.
Arrecadando US$187 milhões mundialmente e com uma aprovação de apenas 40% dos críticos no site Rotten Tomatoes, a versão estadunidense recebeu mais duas sequências lançadas em 2006 e 2009, além de um reboot em 2020. Considerados genéricos e sem sentido, amargam uma aprovação de 12%, 27% e 21% no mesmo site, respectivamente. A decisão de investir em uma versão própria da trama ao invés de acompanhar os simultâneos lançamentos japoneses foi, perceptivelmente, um desperdício.
Impacto do J-Horror no mundo
O gênero do terror está presente há muitos anos dentro da produção artística japonesa. Com suas primeiras aparições datadas nas representações teatrais do século 17, ele se modelou conforme a atualidade em que o país se encontrava. Inspirado pelos ataques de Hiroshima e Nagasaki, Godzilla (Gojira, 1954) ajudou a popularizar o cinema do Japão e se exportou como um de seus primeiros blockbusters a emplacar na mídia internacional, gerando uma série de histórias em quadrinhos, sequências e, não surpreendentemente, seu próprio remake americano.

Assim, a produção de 1998 mostrou-se um importante divisor de águas. Mesclando a tecnologia emergente do fim do século 20 com elementos fantasmagóricos, foi aqui onde o termo J-Horror se originou. A pura forma do medo apresentada nos filmes do gênero foi importada em outros países e pavimentou um importante caminho para a visibilidade da arte asiática.
Por mais que Hollywood insista em criar suas barulhentas versões para atingir os gostos do mainstream, a genialidade dos subestimados diretores japoneses impressiona. A valorização do silêncio e a criação de uma atmosfera que se torna amedrontadora de maneira gradual já é observada em diversos longas independentes da atualidade. De qualquer forma, o mercado estadunidense de terror dos anos 2000 e o lucro obtido por meio de suas adaptações têm muito a agradecer ao Japão.
Da medo mesmo
https://www.youtube.com/watch?v=dsYdmu-csD0