Apelar à nostalgia do público é uma receita há tempos enraizada na produção de filmes. Mesmo quando o resultado final é ruim, a simples certeza de que encontrarão uma história ou um personagem familiar é o suficiente para levar milhões de pessoas ao cinema. Por esse motivo, remakes acabam quase sempre sendo sinônimo de sucesso na bilheteria. It: A Coisa (It, 2017) segue pelo mesmo caminho, mas, felizmente, o longa do diretor Andy Muschietti tem mais a oferecer além de um personagem conhecido.
Segunda adaptação do livro homônimo de Stephen King (a primeira é um filme para a TV lançado em 1990), It traz de volta às telas o aterrorizante palhaço Pennywise, criatura sobrenatural que volta a cada 27 anos para assombrar a cidade de Derry. Quando o irmão mais novo de Bill (Jaeden Lieberher) desaparece sem deixar vestígios, o garoto embarca numa empreitada para descobrir seu paradeiro e descobre que o que está por trás do ocorrido é ainda mais assustador do que imaginava. Ele e seus amigos, então, unem-se para enfrentar A Coisa, tendo em suas mãos o destino de todas as crianças de Derry.
Apesar da premissa digna da Sessão da Tarde, logo no início é possível perceber que o que tem de infantil em It são apenas os protagonistas. A primeira cena é um convite à imersão em um universo fictício em que, por algumas horas, o espectador pode se perder entre curiosidade e espanto. Ambientado no final da década de 80, o filme utiliza um esquema narrativo típico da época ‒ crianças que decidem investigar um mistério e se envolvem em problemas ‒ e que tem voltado à moda recentemente, em produções desde Super 8 (2011) até Stranger Things (2016). Entretanto, com o dedo bem mais pesado no horror do que na aventura, o diferencial aqui é que não se economiza no sangue nem na violência.
A ótima trilha sonora dá o clima de tensão, e o aspecto visual do filme contribui muito para o resultado positivo, desde a direção de arte até a fotografia, culminando na caracterização do palhaço Pennywise, cuja imagem chega a ser desconfortável de tão grotesca. Não bastando, a interpretação do ator Bill Skarsgård, que encarna a assombração, deixa o personagem ainda mais medonho.
Usada na medida certa, a figura marcante do monstro não chega a ficar saturada nem rouba o lugar dos verdadeiros protagonistas. Desta forma, pode-se aproveitar uma das coisas que o filme tem de melhor: seus ótimos personagens. Diferente da maioria dos filmes de terror recentes, It se apoia mais nas relações entre eles do que na história por trás da criatura sobrenatural – uma saída inteligente, já que a mitologia construída ao redor de Pennywise parece um tanto frágil para se sustentar sozinha, fundada em motivações interessantes, mas que são pouco exploradas até o fim da trama.
Contrapondo os momentos em que o palhaço é o centro das atenções, há longas cenas em que só se vê as crianças, interagindo umas com as outras, conhecendo-se e criando laços puros de amizade. O bom desenvolvimento do roteiro, assim como o elenco carismático, levam o público a se envolver emocionalmente de modo que, mais tarde, fique sensibilizado caso algo aconteça a elas. Da mesma forma, a existência de um perigo que só as crianças enxergam também ganha outra dimensão, quase uma metáfora de monstros reais que elas enfrentam ‒ como o relacionamento problemático com os pais. É uma pena que dois destes personagens sejam pouco explorados em comparação com os demais: Stanley (Wyatt Oleff), filho do rabino local, e Mike (Chosen Jacobs), que trabalha com a família num matadouro.
Ao contrário do decepcionante A Torre Negra (2017), ainda em cartaz, It é uma agradável lembrança de como algumas obras de Stephen King, nas mãos certas, têm potencial para se tornarem ótimos filmes. Tal como na adaptação de 1990, a história foi dividida em duas partes e Andy Muschietti já afirmou em entrevistas que irá dirigir também a continuação. Levando em conta o que ele entregou agora, não faltarão motivos para ficar ansioso.
It: A Coisa estreia no dia 7 de setembro. Confira o trailer abaixo:
por Matheus Souza
souzamatheusmss@gmail.com