Jornalismo Júnior

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‘Não é só uma fase, mãe’: o emo volta a se manifestar

Criada na década de 1980, a subcultura que se destacou nos anos 2000 continua atual, conquistando novas formas e diferentes públicos
Imagens de pessoas, bandas e capas de álbum de emo. A montagem usa preto, branco e vermelho, roxo e rosa, cores características da estética. Usa o estilo do layout do MySpace e filtros inspirados
Por Ana Santos (anacferreira@usp.br) e Catarina Bacci de Medeiros (cbmedeiros@usp.br)

Em 2025, o icônico Vans Warped Tour faz seu retorno para celebrar 30 anos desde a sua primeira edição. O festival, que esteve ativo de 1995 a 2018, marcou o cenário musical viajando por diversas cidades norteamericanas e já impulsionou a carreira de nomes variados: de Sum 41 a, até mesmo, Katy Perry. Seus palcos voltam a reunir artistas e fãs de emo, pop punk e rock alternativo, demonstrando que o sucesso do emo nos anos 2000 ainda se faz presente nos dias atuais. A programação conta com bandas como Simple Plan, Bowling For Soup e outros nomes a serem anunciados no site do festival.

Originado do termo emotional hardcore ou emocore, o emo se caracteriza por um estilo vinculado à expressão emotiva na música, com forte apelo entre os jovens. Surgiu no final da década de 1980 em Washington, nos Estados Unidos, e fez parte da manifestação do rock alternativo, um subgênero de bandas que não se encaixavam na música popular. Apresenta influência direta do punk, com músicas de som forte e melódico e letras relacionadas a temas como angústia, amor platônico e ansiedade.

Além do aspecto musical, o movimento emo também teve influência sobre o visual dos jovens. Marcado por vestimentas de tom escuro, maquiagem forte e franjas de lado, representava não apenas uma manifestação estética, mas a formação de um grupo de indivíduos com ideais em comum. É a partir disso que se inicia a discussão do emo enquanto subcultura: ele reúne pessoas com características e gostos próximos que se desviam da cultura mais consumida e do que é considerado regular. O agrupamento se tornou ainda mais forte devido ao uso de redes sociais nos anos 2000, em especial o MySpace, o Tumblr e o Orkut — plataformas em que os jovens podiam manter contato entre si.

Na imagem, há três homens vestidos todos de preto e franja comprido e de lado. Eles estão próximos, rindo de algo. Na esquerda da foto, um deles está com jaqueta e com um braço sobre os ombros do homem ao seu lado; este já usa uma camiseta comprida, chapéu preto (?) e pulseiras nos pulsos. Já na direita, há um outro homem usando jaqueta/casaco e uma bolsa de lado. Perto dos três, ainda se encontram outras duas mulheres em pé e dois jovens agachados na calçada
Criando uma identidade própria, os emos se uniam pelos mesmos gostos, valores e sentimentos [Imagem: Reprodução/Adolfo Senabre/Wikimedia Commons]

Apesar de se manifestar por meio de elementos visuais característicos, o emo não é uma aesthetic (estética, em tradução livre). Popularizadas nas redes sociais, as “estéticas” são estilos de se vestir, maquiar-se e fazer penteados que permitem uma adaptação fácil a diferentes ambientes ou contextos. Por exemplo, o cottage-core, em que pessoas se vestem com elementos relacionados a uma vida pacata no campo, em uma fazenda. Por outro lado, subculturas, ou tribos, têm uma identidade específica associada, na qual os indivíduos reúnem comportamentos particulares em comum, associados a aspectos culturais e ao modo de se posicionar na sociedade.

Sucesso trouxe mensagens de identificação para gerações

A partir dos anos 2000, o movimento emo se popularizou, aproximando-se do cenário mainstream. Consequência, entre outros motivos, da utilização do canal de televisão MTV como plataforma de divulgação de músicas e artistas. Em conjunto com as redes sociais, a emissora fez com que o estilo se propagasse entre os jovens.

“Você já se sentiu como se estivesse desmoronando?

Você já se sentiu deslocado?

Como se de alguma forma você se não encaixasse 

E ninguém te entendesse?

Você já quis fugir?”

Welcome to My Life, Simple Plan

Lançada em 2004, a música Welcome to My Life, da banda canadense Simple Plan, retrata os sentimentos de angústia pessoal e de não-pertencimento, marcas do estilo emo. A letra constrói a imagem de um indivíduo machucado emocionalmente, que se sente deslocado e incompreendido em sua dor. Com versos em tom irônico, a voz da canção expressa suas aflições enquanto questiona se outro alguém vivencia o mesmo.

A mensagem dessa canção exemplifica como a manifestação artística do emo influenciava o público por meio da conexão emocional. “Era uma questão de pertencimento escutar músicas com as quais você se identificava e encontrar pessoas que apresentavam os mesmos sentimentos que você”, comenta Luiza Stevanatto, repórter do Splash no UOL.

Para a fã Gabriela Barbosa, o posicionamento dos cantores e bandas contra o preconceito e suas mensagens de diversidade e acolhimento foram essenciais para ela se conectar com o emo e a comunidade. “Os artistas representam coisas que fazem sentido para mim — seus pensamentos, sentimentos e a forma como eles se expressam por meio da música. Eles conseguem ser vistos por isso e fazem outras pessoas serem vistas também.”

Debates e desafios do emo

O crescimento da subcultura nos anos 2000 foi acompanhado de reações negativas, preconceitos e julgamentos pelo público geral — repletos, principalmente, de homofobia. No período, surgiam comentários desrespeitosos sobre a sexualidade especulada dos membros da comunidade emo, que eram associados a estereótipos negativos devido ao caráter emotivo do estilo. Apesar de englobar tanto pessoas alinhadas ao gênero feminino quanto ao masculino, o comportamento dos jovens — em especial, as roupas e maquiagens usadas pelos homens — era questionado por fugir à norma social.

A recepção negativa do emo era sentida pelos próprios artistas. Em 2006, a banda estadunidense My Chemical Romance performou no Reading and Leeds Festival, na Inglaterra, com faixas do que se tornaria um dos álbuns mais emblemáticos do gênero: The Black Parade (2006). Durante a apresentação, o público lançou garrafas cheias de urina, frutas e outros objetos nos integrantes, forçando-os a sair do palco antes do planejado. O desrespeito pela presença deles demonstrou como não eram bem aceitos naquele ambiente. Nos dias atuais, esse cenário conflituoso não se manifesta na mesma intensidade, se comparado com o seu auge.

Além dos desafios externos, a própria comunidade emo apresenta questões sociais que devem ser discutidas, como a falta de reconhecimento de artistas femininas. Em comparação a bandas masculinas, a presença de mulheres nesse estilo tende a ser menos mencionada, mesmo com grandes nomes de sucesso, como Pitty, Evanescence e Paramore. “[A Pitty] canta sobre representatividade, sobre ser você mesmo e sobre feminismo, ainda mais por ser uma mulher nesse meio do rock, que é muito masculino”, disse Gabriela, que esteve no festival I Wanna Be Tour. A turnê, que passou por cinco cidades brasileiras em 2024, teve apenas a cantora Pitty como artista feminina na programação.

Manifestação do emo no Brasil

No final dos anos 1990, o movimento começou a se estruturar no Brasil. Entretanto, o processo ocorreu de maneira discreta: as canções eram aproximadas ao punk, hardcore e rock alternativo, já populares nas capitais do país. A partir da década de 2000, o emo adquiriu o próprio espaço e se destacou como gênero musical distinto.

Bandas como Fresno e NX Zero alcançaram sucesso nos primeiros anos do milênio e ainda servem de referência para os fãs brasileiros. Um hit clássico do gênero, Razões e Emoções (2008), do NX Zero, ganhou destaque nas rádios nacionais e foi uma das músicas mais ouvidas no período.

Numa reação ao movimento emo, surgiu, por volta de 2009, o que ficou conhecido como “happy rock” — o rock colorido. Com roupas multicores e letras sobre a felicidade da juventude, o fenômeno da música nacional se enquadra como uma variação do pop rock brasileiro e é lembrado por bandas como Cine, que inaugurou o sucesso, e Restart, que o consolidou.

Restart realizou a turnê de despedida Pra Você Lembrar em 2024 [Reprodução/Facebook/@restart]

Além dos artistas emo nacionais, bandas estrangeiras ganharam o público brasileiro. Na edição de 2005, o São Paulo Mix Festival contou com a participação especial de Simple Plan, que se apresentava pela primeira vez no país. Já em 2008, My Chemical Romance realizou sua primeira turnê em solo brasileiro e encontrou seus fãs enérgicos.

O emo não acabou

O movimento pode ter alcançado o seu ápice na década de 2000, mas isso não significa que deixou de existir. Pelo contrário: está ressurgindo. Em contextos recentes, o seu retorno é expresso por um público diverso e por artistas novamente em atividade. Gabriela pensa que o emo nunca sumiu, mas que, com a volta dos músicos e com menos julgamentos, retomou sua força: “O tamanho desse movimento está ficando mais evidente, talvez porque, agora, as pessoas não tenham mais vergonha de escutar esses estilos”.

Luiza comenta que a nostalgia é um dos fatores que resgatam sucessos de época. Nesse aspecto, há o apelo ao indivíduo em relembrar o período, tendo o vivenciado pessoalmente ou não. Ela ainda complementa que o emo também aparece de “maneira mais diluída”, vinculado a outros gêneros pelos músicos para atrair diferentes fãs. Com isso, os adeptos buscam formas variadas de aproveitar essa manifestação cultural na companhia de outros amantes do gênero. São organizadas festas do estilo e até um bloco de carnaval.

A retomada do emo está levando artistas vinculados ao auge do movimento a anunciarem suas voltas aos palcos, de turnês próprias a festivais da cena musical. Por exemplo, em 2019, My Chemical Romance divulgou o retorno da banda com um novo show após sete anos em hiato. E, depois de não ter lançado nenhuma faixa inédita desde 2014, publicou de surpresa a música Foundations of Decay (2022), gerando comoção para a Reunion Tour, previamente adiada de 2020 para 2022 e 2023. 

A pandemia da Covid-19 também foi um fator que contribuiu para a nostalgia e para que a subcultura voltasse a se destacar. Com o isolamento e a ampliação de discussões a respeito de saúde mental, as mensagens vinculadas ao emo representavam os sentimentos angustiantes de muitos. A quarentena ainda movimentou as comunidades online e a participação das redes sociais: além de reunir fãs antigos e novos, as trends (“tendências”, em tradução livre) auxiliam no alcance de um novo público para as músicas. Em 2020, por exemplo, a canção I’m Just a Kid (2002), do Simple Plan, foi usada em vídeos nos quais as pessoas reproduziam uma cena de suas infâncias.

Uma das marcas das vivências da subcultura no ponto mais alto eram os festivais, como o tradicional Vans Warped Tour, que volta à ativa. Neste ano, acontece novamente o I Wanna Be Tour no Brasil, da mesma forma em que ocorrerá outra edição do estadunidense When We Were Young Festival em outubro, dentre outros eventos. Ambos reúnem diversos artistas e ouvintes do emo e outros estilos alternativos em um espaço em comum.

Individualmente, o NX Zero realizou, em 2023, a turnê de reencontro Cedo ou Tarde, ao longo de diversos estados brasileiros. Já a banda Fresno lançou o disco Eu Nunca Fui Embora (2024), e anunciou a turnê de mesmo nome. O cenário não é diferente em outros países: em 2023, vimos Fall Out Boy lançar o novo álbum So Much (For) Stardust, e também Paramore com o álbum This Is Why, o primeiro em seis anos, e com seu retorno a turnês.

Selo da Jornalismo Júnior - Especial De Volta aos Anos 2000

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